quarta-feira, março 30

Filhos, esses espelhos sensacionais

Com eles nos descobrimos fortes, corajosos e também frágeis, sensíveis e patéticos. Por eles nos viramos do avesso e somos capazes de construir, reformar, desmontar e reconstruir o mundo que queremos que os acolha.
Através deles nos enxergamos sem as capas, sem as espadas, sem o aparato de defesa que nos protege das fragilidades. Nos vemos num espelho incrível e mágico, que nos mostra o passar do tempo, as marcas que se instalam, mas também revela o crescimento dos nossos maiores amores, o que compensa e faz valer à pena tudo.
Pela paciência que tantas vezes nos deixou na mão, nos surpreendemos envergonhados. Pelas horas de sono que abrimos mão, nos vemos recompensados. Pelas intermináveis e infinitas explicações, nos pegamos sorrindo, saudosos.
Por todas as lutas, para incentivar e apoiar, pelos gestos exagerados, para garantir segurança e conforto, pelas palmas, assovios e gritinhos, para mostrar o quanto nos enchem de orgulho e alegrias, por cada minuto de descobertas e crescimento, nos achamos por fim realizados.
Esse afetos mais puros e delicados, ainda que cresçam e voem para o mundo e para as suas próprias crias, sempre serão nossas melhores e mais intensas lembranças; sempre serão os espelhos mais fieis da nossa vida, do que ela se transformou e como nos transformou depois de sua chegada.
Os ímpetos deram lugar à cautela, a vaidade se viu obrigada a recuar um bocado, as taças tiraram férias para receber as mamadeiras, as noites ficaram intermináveis, os dias, cheios, as tarefas, sem fim.
Tudo se transformou, literalmente. Inclusive nós, cujos espelhos passaram a refletir imagens mescladas, de um amor que só cresce.
E se ainda houver um sonho a realizar, que seja pela risada de um neto!

sábado, março 26

Das coisas que persigo para mim

Das coisas que eu persigo para mim, algumas me fazem sentir enorme satisfação e  certeza de que o caminho é realmente o meu.
Aceitar negativas com naturalidade, respeitar integralmente a vontade alheia, além de me libertar, também não prenderá o outro, dispensará as correntes e algemas. Eu persigo isso.
Aprender a aceitar diferenças, outros olhares, humores, necessidades,  me levará a conhecer meu próprio espaço individual e diferente de todos os outros, e ainda, ser capaz de exigir respeito e aceitação em troca. Eu persigo isso.
Desculpar palavras mal colocadas, olhares mal passados, desculpas mal boladas, ausências mal justificadas… Entender que a reação esperada não será sempre a realizada… Não esperar nem desesperar. Estar com quem quer estar, dispensar a insistência. Eu persigo isso.
Tentar acordar todos os dias com disposição para viver integralmente, não matar o tempo nem a paciência alheia, não parar na contramão, aspirar, respirar, transpirar. Eu persigo isso.
Das coisas que persigo para mim, muitas delas eu perseguiria também para quem quero bem, mas essa é uma jornada pessoal, lotada de desafios e ameaças. Ameaças à coragem, ao bom ânimo, ao êxito da empreitada.
Desistir é sempre uma opção, embora acompanhada de enorme frustração.
Perseguir é uma caçada, é colocar armadilhas para reações ardilosas, ratoeiras para costumes roedores, veneno para emoções rastejantes.
Perseguir é saber da existência, mas ainda não ter a posse, ou, ao menos, o uso.
Eu persigo muitas coisas, mas das coisas que persigo para mim,  a maior delas é ter consciência do que ainda não sou, do que não faço uso, do que não sou capaz de abrir mão, e, uma vez na posse dessa consciência, poder escolher por conta própria, o que realmente vale à pena perseguir.

Publicado em Conti Outra em 26/03/2016

sexta-feira, março 25

A triste síndrome do pato ensaboado

E tem aquele momento de uma pergunta simples, nada comprometedora, um direto sim ou não, mas a criatura resolve: depende.

De outra, uma decisão difícil, envolvendo afetos e mágoas, urgente de se resolver, essencial para sobreviver, e novamente: prefiro não opinar.

E assim continua: não gostaria de me envolver, não tenho conhecimento suficiente, nem experiência, nem vontade, motivação, consciência, posicionamento, opinião.

O pato ensaboado é escorregadio, ágil, excelente nas saídas furtivas e experiente em expressões vazias.

O pato ensaboado gosta que tomem decisões para ele. Não quer se responsabilizar nem pela quantidade de açúcar no cafezinho. Jamais será sua culpa, e em igual proporção, nunca terá mérito. Mas isso não importa e ele.

O pato ensaboado desfila pela vida, frequenta suas sociedades, mas não se liga a nada nem a ninguém. Seu pavor perante às responsabilidades é proporcional à velocidade com que consegue correr para longe de uma decisão.

Os patos ensaboados, quando em família, se esforçam, até levantam uma ou outra questão, mas no momento do embate, da calorosa discussão, não há quem consiga capturá-lo.

Nas relações afetivas, prefere sempre deixar a decisão para a outra parte. Seja da escolha de uma sobremesa, ou se irão se divorciar.

No trabalho, está sempre pronto a concordar e elogiar as ideias dos colegas, pretendendo se manter o mais invisível possível, para que não seja chamado a opinar, criticar, provocar.

O pato ensaboado se blinda até dele mesmo, talvez temendo que qualquer confissão em voz alta se volte contra ele.

Temos muitos momentos de pato ensaboado na vida, e nada de anormal nisso, já que somos muito mais ignorantes do que sábios, e, por inseguranças e incertezas, muitas vezes preferimos calar.

Momentos são aceitáveis, vistos até como humildade, mas, se ao voltar ao estado normal de conforto para expressar opiniões e ideais, e não acontecer de nos enxaguarmos e voltarmos a ser palpáveis e tocáveis, muita atenção! Podemos estar nos transformando em patos ensaboados, daqueles que não estão com nenhuma disposição para contribuir, que ninguém consegue alcançar.



quarta-feira, março 23

A gente ama o que sente, não o que vê

Não existe por do sol bonito apreciado por olhos infelizes.
A gente ama o que sente num lugar. A gente ama o que sente na presença de outra gente. A gente ama o que sente num olhar.
A gente não ama o belo nem o agradável só aos olhos. A gente ama a beleza que emana do outro. E tudo fica belo e perfeito.
Os olhos são os radares, mas não ousam a posição de sensores. A beleza encanta.
Mas o que a gente ama, é de outro modo que a gente vê. É um modo único, particular, reservado. A lente que fotografa as memórias mais caras, perpetua o que a gente vê e também o que sente, aspira, suspira, eterniza.
Olhar por olhar é só apreciar. É um instantâneo agradável. É belo, mas passa. A polaroid que apaga com o tempo.
Apreciar um filhote dormindo, nosso ou de qualquer outra espécie, desperta amor. A gente vê a beleza através desse amor. Enrugadinho, careteiro, bochechudo, não importa, quem enxerga é o amor. E nessa lógica tudo se enquadra e se encaixa… Imperfeições, assimetrias, diferenças, pouco que sobra, muito que falta, o amor enxerga com gentileza e generosidade.
O que a gente vê aguça, instiga. É bom.
O que a gente ama, aninha, conforta, dá colo, faz o por do sol aparecer a qualquer hora e em qualquer lugar.
Olhar faz bem, admirar, ainda mais.
Mas amar, amar faz a gente enxergar grandes e deliciosas belezas, que a olho nu jamais se revelariam.
A gente ama o que sente, não o que vê.
Publicado em Conti Outra em 23/03/2016

segunda-feira, março 21

Os vampiros que nos espreitam

Eu aceito compartilhar a vida, o chocolate, a pipoca, as alegrias, emoções, suores e lágrimas, mas não aceito ser vampirizada.
Da mesma forma, acato pedidos, sugestões, conselhos, provocações, tentações, mas não acato nenhuma violação contra minha vontade.
Ainda consigo oferecer uma palavra, um abraço, alguns trocados, meia hora de prosa, um ombro amigo, uma bronca encomendada, mas não me ofereço para ser sugada.
Há vampiros por toda parte, e, conscientes ou não das suas próprias necessidades e diferenças, espreitam vítimas desavisadas, para garantir um pouco de seu sustento.
Vampiros morais, que confundem com teorias inventadas, longos e apaixonados discursos, como quem prepara um prato requintado, para devorar sozinho depois.
Vampiros éticos, que agem na legalidade das palavras e na obscuridade dos atos. Chupam honestidade e cospem seus mal feitos.
Vampiros capitais, que sugam o que não lhes pertence, usam do que é do outro, gastam, esbanjam, abusam e escondem o que é seu, na sua capa de avareza.
Vampiros emocionais, que sugam, chantageiam, negociam, regateiam, manipulam e descartam sentimentos que nunca fizeram por merecer.
Vampiros vitais, que não medem esforços para imobilizar e ferir suas vítimas, levando consigo a saúde, o ânimo, as esperanças e sonhos de quem lhes servir de alimento.
Eles espreitam e não vacilam. Não pensam nos outros como semelhantes, até mesmo porque realmente não o são. O que os alimenta e fortalece, é justamente o que adoece e mata cada uma de suas presas.
Vampiros podem ser divertidos, sedutores, intelectuais, charmosos, misteriosos. São homens e mulheres que aprenderam outros códigos, cuja fome é de gente, de vida alheia, de sonhos e planos que eles não são capazes de empreender.
Há quem goste de vampiros e gosto não se discute.
Cada um cuida de seu próprio pescoço, essa é a regra.
Porém, e muito cautelosamente, ouso acreditar que não há lugar para nenhum deles no minha vida. Eles que se embrenhem nas próprias trevas, pois que meu mundo, a palavra de ordem é luz!

sexta-feira, março 18

Metáforas coloridas não amenizam a verdade

Se for para ajudar a enfrentar, consolar um pouco, encorajar, dar uma força, tudo bem.
Cada um se segura e se pendura na desculpa que prefere, porque afinal de contas, há horas em que a coisa fica realmente complicada.
A verdade é áspera quando vem de encontro, e suave quando a perseguimos. Depende do lado do espelho, da face da moeda, de poder ou obedecer.
Mas inegável é que a verdade não negocia. É e pronto!
Aceitar uma verdade como legítima é libertar um monte de recursos fantasiosos, é entrar em contato com o inflexível, com o que não é possível manipular.
Mas, teimosos que somos, insistimos em tentar dissuadir a verdade. Colorimos, maquiamos, inventamos traços e estilos únicos para o cenário metafórico que preferimos para viver, pensando estar enganando a verdade.
Aceitar duras verdades nos liberta, muda o fuso da vida, nos tira um fardo pesado das costas. A dor é só da hora, do momento. Depois suaviza, acostuma, entra na rotina.
Fugir das verdades, contar uma vida que não existe, para si e a para o mundo, não ameniza as verdades que se carrega, nem tampouco as que foram deixadas ao longo do caminho. Elas voltam, elas nos encontram na curva do tempo, nos pegam desprevenidos, vulneráveis, distraídos.
Verdade é matemática, é incontrolável, indomável, espontânea. Boa ou ruim, favorável ou prejudicial, é a verdade. E verdade é o que sempre queremos do outro, das coisas, da vida. Mas oferecemos a mesma verdade em troca? Verdade é sinceridade. Mas mentimos mais do que podemos controlar. E mesmo assim não aceitamos menos do que a verdade.
Verdade ou não, a verdade é que cada um deseja sempre ter a sua própria verdade, mas, de verdade, não há verdade criada, inventada, manejada. A vida é verdade até prova em contrário.

Publicado em Conti Outra em 18/03/2016

domingo, março 13

Xampu para lavar almas

Definitivamente seria uma invenção fantástica! Alma lavada, quem não gosta?
De alma lavada tudo fica leve, colorido, suave!
Justiça feita, um reconhecimento merecido, uma boa notícia, um pedido de desculpas aceito, notícias de alguém bem longe, um presente inesperado…
Para quem não espera mas aceita de bom grado, já é uma enorme lavada de alma. As ditas e esforçadas almas que tentam se manter normais.
Já as mais exigentes, as que enxergam o mundo como um servo cumpridor de suas vontades e caprichos, nada passa de simples obrigação. Nada toca, contagia, entusiasma.
Almas oleosas, sebosas, grudentas, seborreicas. Vivem se esgueirando nas lamentações e reclamações. Nada nunca estará bom ou agradável ou até mesmo aceitável.
Almas secas, ásperas, sem vida. Já tiveram seus dias sedosos, mas de tão maltratadas, amarradas e puxadas, resolveram deixar para trás o brilho da vida.
Almas escamosas, com caspas e feridas. Não conseguem se manter mais em unidade, se desfazem a cada mudança de tempo, de humor, de clima, de intenção.
Basta tocá-las para ficar com um pouco do que lhes cai, por todos os lados.
Almas calvas, esvaziadas, com profundos sulcos e vazios. Que não sabem quando tudo começou, mas que foram perdendo e perdendo, até que já não importa mais.
Para todo tipo de almas, um xampu que as lavasse. Mas não, não existe isso.
Mas é preciso lavar de algum jeito, para mudar, para limpar, para não deixar estragar, para salvar.
É preciso dar um jeito de higienizar a alma, desinfetar as lembranças, devolver a elasticidade às sensações, às esperanças, à vida que não quer se entregar.
Todo mundo merece, em algum momento da vida, uma boa lavada na alma. Aquele grito preso, aquela risada guardada, o alívio que arrepia, o soco no ar!
E se esse xampu não existe e jamais irá existir, que tratemos de arranjar uma solução para isso.
Que saibamos, com honestidade e clareza, classificar que tipo de alma estamos e o que conseguimos fazer para limpar e embelezar.
Sem essa de olhar para a alma do vizinho. A nossa própria já é motivo de muito trabalho e muita persistência para mantê-la tão limpa quanto queremos e podemos.
Alma é um negócio muito particular, e cada um cuida da sua.
Não tem como emprestar o xampu.

sexta-feira, março 11

Conclusão: Envenenamento por frustrações

Esse é um texto diferente, meio verídico, meio confissão, um pouco triste, bastante reflexivo, algo de esperançoso, já que vamos falar de descobertas. E quando se descobre ou se revela uma coisa ruim, o mínimo de parte boa que se obtém é a própria descoberta em si, o afastamento da ignorância. Então é momento de agir e mudar o que ainda é passível de mudança.
Pois bem, sem muitos detalhes enjoativos, precisei fazer uma endoscopia e, apesar de ser um exame chato, tem aquela parte em que você dorme e, quando acorda, parece que veio diretamente da terra do nunca para a cadeira do repouso. E o acompanhante que se vire e se envergonhe com a quantidade de besteiras que se fala depois de um exame como esse.
E chegou o dia do exame, depois de cumprir um mal humorado jejum, lá vamos nós para a clínica, exalando tranquilidade e ansiedade, tudo junto, para o coquetel de tranquilizantes que aguardava. E tudo correu m-a-r-a-v-i-l-h-o-s-a-m-e-n-t-e bem, o despertar foi melhor que beijo de príncipe, a sensação de “que mundo é esse” se fez presente, intensa e engraçada.
O que acontece na verdade, é que nada correu tão bem quanto meus desvarios analgésicos acreditavam. Eu dei trabalho. Muito trabalho. Uma equipe inteira tentando me domar. E lá se foram 240 mg de sei lá o que, que finalmente me derrubou… por 20 minutos.
Vergonha é pouco para o que eu senti e ainda sinto quando penso nisso, mas se é para frente que se anda, hoje fui ver a médica que realizou o exame, com os resultados em mãos. Sim, estou bem, nada sério, ela disse.
Uma notícia ótima, mas, muito inquieta, toquei no assunto do dia do exame e todo o corre-corre que provoquei. E ela, pequena, calma e simpática me disse:
– Você deve ser uma pessoa que guarda muito para si, que não expressa suas emoções com frequência, e, portanto, quando entrou em outro estado, liberou toda a tensão que estava guardada.
Em outras palavras, lutei e relutei contra um inimigo que eu mesma criei e alimentei. Levei para as forças do corpo a batalha que é da cabeça, me mostrei reativa e não colaborativa como provavelmente tenho sido com vários sentimentos pela vida afora.
Saí de lá com uma receita e uma lição. É ruim, mas é bom.
De hoje em diante, a tarefa primordial é desintoxicar a vida e reabilitar a alma.
Publicado em Conti Outra em 11/03/2016

quarta-feira, março 9

Entre vítima ou refém, escolha ser livre

Toda liberdade tem seu preço e em igual medida, seu valor.
Quando você diz que escolhe ser livre, diz também que vai ser preciso discordar muito, transgredir um pouco, decepcionar às vezes, contrariar um monte, espantar, escandalizar, atrapalhar planos, fechar ciclos, quebrar paradigmas, destruir tabus. Não é pequeno o estrago que a liberdade produz.
Para ser livre, não se pode entregar os comandos da vida a nada ou a ninguém. Não se pode ser vítima do outro, nem da própria fraqueza, tampouco trapacear, fingindo-se frágil e incapaz, terceirizando responsabilidades e decisões.
Liberdade é poder esticar os braços e as pernas e nenhum obstáculo interferir.
Liberdade é levar os pensamentos até onde desejar e, no retorno, vê-los transformando-se em ações e resultados.
Liberdade é encarar com altivez os monstros que nos espreitam, fazer escolhas e sustentá-las, não se entregar às lábias, não se entregar ao canto da sereia.
Sempre que se abre mão da liberdade, alguém a toma para si. E desse alguém viramos vítimas, reféns, escravos, criaturas submissas, sem voto nem opinião.
Há quem acredite nas vantagens de uma vida assim. Mas há cada vez menos. Quem já desfrutou do gostinho da liberdade, mesmo que momentânea, não volta para o cativeiro. Não por sua própria vontade.
A escolha é tão difícil quanto recompensadora. Libertar é romper, cortar, rasgar, puxar e empurrar. É ocupar um espaço individual, solitário, silencioso, espelhado. Nada se esconde neste espaço. Tudo fica à mostra e tudo lhe pertence. O bom e o ruim.
Mas libertar é também escolher, decidir, ir, voltar, girar, dançar, flutuar, gritar e calar, sem consentimento ou reprovação. Libertar é estar no espaço ocupado, o espaço individual, solitário, silencioso e espelhado, e ainda assim se sentir dono e propriedade do mundo. Não ser de ninguém.
Ser livre é assustador, no entanto, ser refém, propriedade, vítima ou qualquer outro nome que possa se dar, é não ser nada, é ser utensílio em mãos alheias.
Faça a sua escolha.
Publicado em Conti Outra em 09/03/2016

domingo, março 6

Procura-se amizade desaparecida

E se alguém viu ou ouviu falar, por gentileza não demore a avisar. Amizade que faz falta vale a pena procurar.
Porque amigo a gente procura, rastreia, fareja, caça, laça e enlaça, sem vergonha, sem frescura, sem escusa.
É preciso ao menos saber como anda um amigo. É necessário se inteirar, se fazer necessário se preciso. Se tornar presente, ainda no presente.
É essencial fazer parte da vida de um amigo, e, mostrar a ele qual é a pilastra de sustentação que tem seu nome gravado, dentro da nossa construção.
Para esse assunto não cabe orgulho, não cola desculpa, não vence a preguiça.
Amigo é coisa séria e se ele desaparece, algum motivo há de ter. E se não dá notícias, se é indolente, preguiçoso, relaxado, ocupado, e ainda assim é amigo, vale a pena procurá-lo.
Amigo é fortuna que não se conta em moedas, mas, se desaparece, nos deixa miseráveis.
Amigo é o espelho da própria vida, a régua que mede os avanços, o freio na hora de perigo, a água, o doce de leite, a confissão sincera, o ombro amigo, o beliscão merecido.
Quando um amigo desaparece, o jogo acaba, a bola fura, a luz queima, a bateria acaba.
Falar sozinho enlouquece, falar com o amigo cura.
Se há um esforço louvável, é o de procurar um amigo. Para lhe contar a falta que fez, a saudade que deixou, a novidade que ainda não sabe, pedir um conselho, uma bronca, um abraço ou somente um alô. Para lhe dizer que a vida é curta demais para se esconder, ou não querer ser encontrado.
Para a falta de tempo, mais organização.
Para a preguiça, determinação.
Para a vergonha, coragem!
Para o ciúme de outro amigo, torne-se amigo do outro amigo também. O círculo cresce e todo mundo ganha.
Torna-se amigo em um minuto. Leva-se um vida inteira para continuar amigo.
Se você é meu amigo, por favor, não desapareça. Se precisar ou tiver vontade de desaparecer, ainda assim vou te procurar.
E se eu desaparecer, me resgate, onde for, por favor.
Publicado em Conti Outra em 05/03/2016

quinta-feira, março 3

Sobre aprender a ouvir sim como resposta

Não, definitivamente não estamos acostumados a respostas positivas e espontâneas. Nosso processamento mental já aguarda aquele não de pronto e se antecipa, encadeando argumentos e longas discussões. É um tempo brutalmente coagido a traçar estratégias de defesa e contra ataques, antes mesmo de a frustração ocorrer. Somos esses, os que preferem franzir a testa e retesar os músculos.
Ouvir um sim é estranho nos nossos tempos. Quando isso acontece, a maioria de nós pergunta: – Tem certeza? – Você prestou atenção no que eu falei, ou pedi, ou provoquei?
E então aparece uma alma nada a fim de entrar no jogo duro e diz de pronto, e, por vezes, sorrindo: – Sim, eu posso fazer isso; – Sim, eu estou tentando entender; – Sim, não vejo nenhum problema.
Aí tem problema! Como assim, sim? Não vamos nem pelejar um pouco, defender territórios, atiçar as fraquezas? Esse sim veio tirar toda a graça do atrito, do tempo que seria gasto com discussões por razões, sem razões, pelo prazer de conquistar-se uma razão, mesmo que não faça sentido nem razão.
E tem gente que diz muito sim! A vida vive dizendo sim! O tempo não para de dizer sim! O batimento do nosso coração, enquanto trabalha, está dizendo sim!
Sim para o que pode ser sim, não para o que a gente quer. Não para a criança mimada e egoísta que a gente costuma abrigar dentro da gente, em corpo e comportamento de adulto que sente muito prazer em dizer não, e não sabe mais ouvir um sim sem se espantar e se indignar.
Aprender as ouvir um sim como resposta; Aprender a apreciar o caminho que não ofereceu barreiras; Acreditar no próprio julgamento sem as restrições prévias; Pensar, racionalizar, sentir e desfrutar cada porta que o sim abre, porque, como se diz por aí, o não a gente já tem.
Publicado em Conti Outra em 03/03/2016